1. INTRODUÇÃO
Os resíduos decorrentes da atividade humana é hoje uma das mais graves ameaças ao meio-ambiente. O próprio sistema econômico no qual estamos inseridos promove o crescimento continuo de resíduos. Desta maneira, a disposição e o tratamento adequados destes resíduos tornam-se imprescindíveis à preservação dos recursos naturais e à própria saúde humana.
Por outro lado, a constatação do aquecimento global impulsiona a busca por soluções de geração de energia limpa, que evitem a emissão de gases de efeito estufa.
Desta forma, o aproveitamento energético de resíduos urbanos se mostra como uma alternativa extremamente eficaz na minimização destes dois problemas: promove um tratamento adequado do lixo, enquanto reduz as emissões de metano provenientes da decomposição da matéria orgânica e produz energia limpa. Além disso, a implantação de usinas termoelétricas movidas a lixo pode evitar a necessidade de geração de energia através de combustíveis fosseis.
Atualmente, as duas principais tecnologias para geração de energia elétrica a partir de resíduos urbanos são: através da captação e queima do biogás produzido nos aterros sanitários e pela incineração direta do lixo.
Neste contexto, este trabalho tem como objetivo analisar a viabilidade do aproveitamento energético dos resíduos urbanos
2. REVISÃO DA LITERATURA
A seguir serão descritos, de acordo com a bibliografia citada, os sistemas de geração de energia elétrica através da queima de biogás em aterros sanitários e pela incineração direta do lixo.
2.1. Sistema de Captação e Queima de Biogás
O biogás é formado a partir da decomposição anaeróbica dos resíduos orgânicos dispostos em aterros sanitários, com a seguinte composição: 40-55% de metano, 35-50% de dióxido de carbono, 0-20% de nitrogênio. O poder calorífico do biogás é de aproximadamente 5.800 kcal/m3.
No aterro sanitário, o lixo é depositado sobre o terreno e recoberto com camadas do solo do próprio local, isolando-o do meio ambiente. Formam-se então câmaras, nas quais é produzido o gás e liberado o chorume, que é captado através de tubulações e escoado para tanques de tratamento. Os gases liberados durante a decomposição dos resíduos são captados e podem ser utilizados como fonte de energia.
Um sistema padrão de coleta do biogás de aterro é composto por poços de coleta e tubos condutores, sistema de compressão e sistema de purificação do biogás. A coleta de gás normalmente começa após uma porção do aterro ser fechada. Existem duas configurações de sistemas de coleta: poços verticais e trincheiras horizontais, sendo que os poços verticais são o tipo mais usado de coleta. As trincheiras podem ser apropriadas para aterros profundos e podem ser usadas nas áreas de aterro ativo. Independente do sistema de coleta usado, cada uma das pontas do tubo é conectada a uma tubulação lateral que transporta o gás para um coletor principal. O biogás é succionado do aterro por compressores, que comprimem o gás antes de entrar no sistema de recuperação energética. O tamanho, tipo e número de compressores necessários dependerão da taxa do fluxo de gás e do nível de compressão desejado, que pode ser determinado pelo equipamento de conversão energética. Além disto, a maioria dos aterros sanitários com sistema de recuperação energética possui flare para queima do excesso do biogás ou para uso durante os períodos de manutenção dos equipamentos (MUYLAERT, 2000).
Quando o biogás (quente) produzido pelo aterro passa pela tubulação, acaba resfriando formando então um condensado. Caso não se remova esse condensado o sistema de coleta pode ser bloqueado interrompendo, então, o processo de recuperação de energia. O controle do condensado tem início no sistema de coleta onde são utilizados conectores e tubos inclinados para permitir a drenagem em tanques e após a coleta o condensado é removido. Os métodos para disposição do condensado são: descarga no sistema público de esgoto, sistema de tratamento local, e recirculação para o aterro sanitário. (MUYLAERT, 2000).
As tecnologias convencionais para a transformação energética do biogás são os motores de combustão interna, turbinas a gás (ciclo aberto) e turbinas com utilização de vapor (ciclo combinado). Existem também tecnologias emergentes como as células de combustíveis que, ainda em fase de desenvolvimento e aperfeiçoamento, pode ser considerada uma tecnologia promissora.
2.2. Sistema de Incineração Direta do Lixo
A incineração de resíduos é uma rota secular de destinação final do lixo, sendo a técnica mais comumente utilizada para o tratamento térmico de resíduos até os dias atuais.
O processo de tratamento térmico com geração de energia a partir dos resíduos urbanos não necessita da implantação de um aterro sanitário. O lixo passa por uma triagem para separação dos materiais potencialmente recicláveis e aqueles que não podem ser submetidos a incineração. Somente são submetidos ao tratamento térmico a matéria orgânica e os resíduos combustíveis não recicláveis, ou seja, exatamente o material que seria destinado ao aterro.
A incineração emprega alta temperatura de fornos para a queima de resíduos, que entram em combustão completa. Isso garante o tratamento sanitário e a destruição de componentes orgânicos e minimiza a presença de resíduos combustíveis nas cinzas resultantes.
O atual processo de incineração consiste geralmente em dois estágios. Inicialmente, o resíduo é queimado na câmara primária, que é a receptora direta do lixo, em uma temperatura suficientemente alta para que algumas substâncias presentes se tornem gases. As cinzas são recolhidas em arrastadores submersos em corrente de água e lançadas no decantador. Os gases quentes são aspirados através de uma caldeira de recuperação, onde é produzido vapor. O vapor gerado pela caldeira acionará um turbo-gerador. Os gases exauridos da caldeira de recuperação são neutralizados por processo que ocorre em circuito fechado (filtro de mangas, lavadores de gases e tanque de decantação) não havendo a liberação de efluentes líquidos.
O processo de lavagem ocorre em dois estágios: no 1º estágio, ocorre a captura dos materiais particulados ainda presentes nos gases, com a utilização de um filtro de mangas; no 2º estágio os gases são resfriados e lavados com uma solução alcalina. A solução de lavagem proveniente dos lavadores é recolhida em tanques de decantação onde ocorre a neutralização com as cinzas do próprio processo, hidróxido de sódio e a mineralização (decantação dos sais), retornando posteriormente ao processo de lavagem. Restará no decantador um precipitado salino (concentração de cálcio e potássio) e material inerte, correspondendo a algo em torno de 8%, em peso, dos resíduos não tratados. Este material já está sendo testado, em substituição à areia, na fabricação de tijolos e pisos. Os gases limpos, após passagem por eliminador de gotículas (demister), são liberados para a atmosfera pela chaminé.
3. METODOLOGIA
Este trabalho tem como objetivo analisar a aplicabilidade das duas alternativas de aproveitamento energético de resíduos urbanos
Primeiramente, serão apresentados dados quantitativos e qualitativos do lixo da capital e, em seguida, será feita uma análise da aplicação de cada tecnologia citada, apresentado suas vantagens e desvantagens, custos e impactos ambientais.
De acordo com os resultados obtidos, será possível concluir qual das tecnologias é mais viável como solução para o tratamento dos resíduos urbanos
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
4.1. Características do lixo de Belo Horizonte
Todo o lixo coletado no município de Belo Horizonte é atualmente levado a Central de Tratamento de Resíduos Macaúbas, em Sabará, na Grande BH, de propriedade da Vital Engenharia. Porém, durante mais de 30 anos funcionou o aterro sanitário da BR-040, que é considerado um dos maiores cemitérios de lixo do Brasil, com mais de 20 milhões de toneladas de detritos acumuladas.
Segundo dados fornecidos pela SLU, para o ano de
PRODUÇÃO MÉDIA(t) |
|
Lixo domiciliar / comercial |
922,82 |
Lixo domiciliar recolhido por caçambas |
72,06 |
Lixo comercial usinado |
4,97 |
Lixo público |
952,49 |
Lixo de unidades de saúde |
21,64 |
Entulho de construção civil |
1.200,00 |
Resíduos de particulares |
30,43 |
TOTAL |
3.204,41 |
Fonte: SOUSA, 2002
A composição física dos resíduos urbanos gerados no município evidencia que: 64,4% do lixo são compostos de resíduos orgânicos (matéria putrescível), 25% de materiais potencialmente recicláveis (papel, plástico, vidro, metais) e 10,6% de materiais descartáveis (trapos, couro, madeira, etc). (SOUSA, 2002)
4.2. Cálculo do potencial energético
Com esses dados podemos estimar o potencial energético do lixo de Belo Horizonte, segundo as duas tecnologias abordadas, excluindo do cálculo os 25% de materiais potencialmente recicláveis e considerando uma produção total de 4000 t/dia:
4.2.1. – Biogás
ITEM |
QUANTIDADE |
UNIDADE |
REFERÊNCIA |
(a) Resíduos Sólidos Urbanos |
1,095 |
GKg/ano |
SLU, 2010 |
(b) Fator de Produção de Metano |
6,5 |
% |
HENRIQUES, 2004 |
(c) Densidade |
1,4 |
m3/Kg |
HENRIQUES, 2004 |
(d) Fator de Conversão |
10,76 |
k Wh / m3 |
HENRIQUES, 2004 |
(e) Fator de Capacidade da Planta |
80 |
% |
HENRIQUES, 2004 |
(f) Eficiência da planta de ciclo aberto |
35 |
% |
HENRIQUES, 2004 |
(f) Eficiência da planta de ciclo combinado |
45 |
% |
HENRIQUES, 2004 |
Energia Potencial Calculada |
300,21 |
MWh/ano |
|
|
|||
Energia Potencial Calculada |
|||
|
385,98 |
MWh/ano |
|
4.2.2. – Incineração
ITEM |
QUANTIDADE |
UNIDADE |
REFERÊNCIA |
(a) Resíduos Sólidos Urbanos |
1,095 |
GKg/ano |
SLU, 2010 |
(b) Eficiência da planta |
50 |
% |
HENRIQUES, 2004 |
Energia Potencial Calculada |
547,5 |
MWh/ano |
|
4.2. Análise Econômica
Podemos comparar os custos das duas tecnologias:
CARACTERÍSTICAS |
BIOGÁS |
INCINERAÇÃO |
Potencial de uso do lixo em toneladas/dia |
300 |
500 |
Potencial de geração de energia elétrica (MW) |
3 |
16 |
Investimento (US$/kW) |
1.000 |
1.563 |
Vida Útil (anos) |
15 |
30 |
Prazo de Instalação (meses) |
12 |
18 |
Custo de combustível (US$/MWh) |
0 |
-8,18 |
Custo de Operação e Manutenção (US$/MWh) |
7,13 |
7,67 |
Fonte: TOLMASQUIM, 2003
O custo do combustível será nulo na recuperação do biogás, pois o custo da disposição final já terá sido pago, mas será negativo para incineração, pois evitará a disposição final dos resíduos urbanos. As análises de custo incluem estimativas de possíveis créditos de carbono decorrentes das emissões evitadas de CO2.
4.2. Análise das Vantagens e Desvantagens
A grande vantagem do aproveitamento energético do biogás em aterros sanitários é a eliminação da emissão de metano oriundo da decomposição da matéria orgânica, que tem alto poder de aquecimento global. As desvantagens desta tecnologia são: uso de grandes áreas para construção do aterro sanitário; o processo de conversão do lixo em energia é pouco eficiente; há risco de explosão e vazamento de chorume.
As vantagens do método de incineração direta do lixo são: redução do volume requerido para disposição do lixo; eficiência na transformação do lixo em energia; evita a construção de aterros sanitários e possíveis emissões de metano e formação de chorume; a geração de energia elétrica é feita sem ruídos e sem odores. Como desvantagens, podemos citar: inviabilidade do processo com resíduos de menor poder calorífico e aqueles clorados; alto custo e dificuldade de aceitação da população.
5. CONCLUSÕES
De acordo com os resultados obtidos podemos concluir que, apesar do custo mais elevado, o processo de incineração do lixo com aproveitamento energético apresenta mais vantagens em relação à alternativa de captação do biogás, como maior eficiência na conversão de energia e menores impactos ambientais, principalmente por eliminar a necessidade de construção de aterros sanitários.
No entanto, como Belo Horizonte já possui um aterro sanitário, o aproveitamento energético do biogás deve ser visto como uma forma de amenizar seus efeitos negativos, evitando a emissão de metano na atmosfera e proporcionando melhorias ambientais e sociais.
E já que o aterro não recebe mais os resíduos da cidade desde o ano passado, a alternativa de incineração se mostra como uma solução eficiente para o tratamento dos resíduos urbanos que estão sendo gerados atualmente, evitando a construção de um novo aterro na cidade e proporcionando ganhos econômicos com a venda de energia elétrica.
Portanto, a prefeitura de Belo Horizonte poderia conjugar as duas tecnologias de aproveitamento energético do lixo, proporcionando uma destinação adequada e eficiente aos resíduos urbanos, e ainda garantindo mais flexibilidade na matriz energética municipal.
6. BIBLIOGRAFIA
TOLMASQUIM, M. T. Fontes Renováveis de Energia no Brasil. Rio de Janeiro, Interciência, 2003.
MUYLAERT, M. S.; AMBRAM, R; CAMPO, C. P.; MONTEZ, E. M.; OLIVEIRA, L. B.; PEREIRA, A. S.; REIS, M. M. Consumo de Energia e Aquecimento do Planeta – Análise do Mecanismo de desenvolvimento Limpo – MDL – do Protocolo de Quioto – Estudos de Casos. Rio de Janeiro, Editora da COPPE, 2000.
SOUSA, H. A.; ROESER, H. M. P.; MATOS, A. T. Métodos e Técnicas Aplicados na Avaliação Ambiental do Aterro da BR-040 da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte – MG. Revista Escola Minas, vol.55, nº 4, Ouro Preto Oct./Dic. 2002.
HENRIQUES, R. M. Aproveitamento Energético de Resíduos Sólidos Urbanos: Uma Abordagem Tecnológica. Rio de Janeiro, COPPE/UFRJ, 2004.
REVISTA BRASILEIRA DE ENERGIA, Vol. 14, Nº 2, 2º semestre 2008.
JORNAL ESTADO DE MINAS. Uma solução movida a problema. Belo Horizonte, 17 de maio de 2010.
Usina Verde. Disponível em www.usinaverde.com.br. Acessado em 23/05/10.